A Semana Universitária da Universidade de Brasília (UnB) foi palco para um debate que pode mudar a vida de muitos estudantes do ensino médio, das escolas públicas do Distrito Federal. Trata-se do sistema de cotas para ingresso na universidade pública. A discussão com os alunos, na quinta (25) foi ancorada pelos palestrantes Zulu Araújo, diretor da Casa de Cultura da América Latina (CCAL), e Rafael Santos, mestre em educação e ativista co-fundador do Coletivo Negro EnegreSer, do Distrito Federal e Entorno. Hoje (26) a temática foi debatida por professores, que também contaram com a presença de Zulu e de representantes da secretaria de Educação do Distrito Federal. O encontro é fruto do projeto “Acorde”, da SEDF, em parceria com a CCAL.
O anfiteatro 7 da UnB ficou lotado por alunos interessados em entender o sistema de cotas, criado pelo Decreto Nº 7.824, sancionado pela presidente Dilma Rousseff, em 29 de agosto deste ano. A norma que institui o sistema de cotas raciais e sociais destina 50% das vagas em universidades federais para estudantes oriundos de escolas públicas.
Na abertura do encontro, representantes da SEDF apresentaram as diretrizes do projeto Acorde, uma iniciativa da Secretaria para viabilizar o debate acerca da diversidade, das políticas afirmativas, além de divulgar e incentivar o princípio da autodeclaração, mecanismo instituído pela ONU, para que os povos possam se identificar. A seguir a palavra foi dada aos palestrantes Zulu e Rafael, que contextualizaram o debate.
Para Zulu Araújo esta é uma iniciativa positiva, porque possibilita, antecipadamente, que os estudantes do ensino médio dialoguem e reflitam sobre inclusão plena dos alunos do ensino público nas universidades. Segundo ele, a discussão do sistema de cotas passa pelo entendimento da própria história do Brasil. “Somos o único país do mundo que tem 4/5 da história sob o regime escravocrata, crime de lesahumanidade segundo a ONU”. Araújo destacou a Conferência Internacional de Combate ao racismo, intolerância, xenofobia e demais preconceitos correlatos, realizada em 2001 pela ONU, para lembrar que as ações afirmativas são determinações desse debate. “Somos diferentes, mas não significa que uns são melhores que outros. O tratamento com dignidade tem que ser para todos, disse ele ao ressaltar que o sistema de cotas sociais e raciais vem contribuir para resgatar as enormes dívidas sociais no país.
Rafael Santos, que é ex-aluno da UnB, descreveu as dificuldades encontradas no percurso acadêmico e registrou os números da diferença de acesso entre negros e brancos nas universidades públicas. “As ações afirmativas diminuem as discrepâncias no universo das oportunidades de acesso à universidade pública”, comentou.
“O projeto Acorde vem alterar um período de silêncio. E o resgate proposto pelo projeto vem pela arte, que permite o olhar ampliado para o mundo, para nele se encontrar e se identificar”, disse Renata Gadioli, gerente de Ensino Médio da SEDF. Gadioli explica o percurso construído pelo Acorde, que trabalhou conceitos como identidade e autodeclaração, ancorado por temáticas presentes no cinema, na música, na dança, nas artes plásticas e agora chega ao debate do sistema de cotas. “A partir desses encontros e debates vamos formular uma proposta pedagógica coletiva, em consonância com a legislação vigente”, explicou a gerente.
Marcelo Lourenço Bittencourt, coordenador intermediário de Direitos Humanos da CRE de Brazlândia, ressalta que as ações do Acorde acompanham a dinâmica social de conquistas, em especial no que concerne às políticas públicas e legislação vigente, a exemplo da lei de cotas. “Como educadores temos que possibilitar esses espaços de diálogo e reflexão para a inclusão social”, avaliou Bittencourt.
Dúvidas
A última parte do encontro foi destinada ao questionamento e depoimento dos estudantes. De forma democrática e muito participativa os jovens interagiram com os palestrantes e expuseram anseios, dúvidas e críticas – a favor e contra o sistema de cotas.
A aluna do CEAN, Laila de Lima, é presidente do Grêmio Estudantil e disse que muitos alunos ainda têm dúvidas quanto ao sistema de cotas. “A maioria dos alunos tem dúvidas não quanto ao mérito do sistema, mas em relação ao funcionamento”, disse ela ao mesmo tempo em que registra o total apoio às cotas sociais e raciais. “São questões históricas. As cotas aumentam as oportunidades, em condições de igualdade”, comentou.
Para Ana Luiza Borges, do CEM 01 de São Sebastião, as cotas sociais são muito bem vindas. Mas, segundo ela, elas precisam vir acompanhadas de ações que favoreçam o estímulo à permanência nas universidades.
A diminuta parcela de alunos contrários às cotas identificou entre os argumentos o temor de que elas aumentem o preconceito. Outros destacaram que a valorização e o investimento na educação pública de qualidade também como alternativa ao sistema.
“O ser humano sempre foi bom em dividir e não em juntar”, disse o estudante Leandro Pimentel, do CEDLAN (Diretor de Cultura do Grêmio), ao se mostrar reticente em relação ao tema.
Para Sueli Brandão, mãe da estudante Ana Luiza, é fundamental que a discussão das cotas seja feita num contexto social. “O preconceito, a não aceitação da identidade estão aí e precisamos mudar isso. Penso que o discurso das cotas deve ser tratado não como um facilitador da entrada do negro na universidade, mas sob a ótica de valorizar as qualidades da cultura negra nas universidades”, sugeriu.
Polêmicas à parte, ficou no ar a fala do diretor Zulu Araújo de que as cotas não são contra ninguém. “O sistema de cotas sociais e raciais é a favor da parcela social para a qual o Estado deixou de olhar. É um resgate das dívidas sociais do Estado brasileiro, disse ele”.
O encontro de hoje (25) com os professores das escolas públicas também seguiu a dinâmica das palestras, seguidas de debate e depoimentos. Segundo os organizadores, a idéia é incentivar a discussão do sistema de cotas, contemplando um contexto histórico e o acesso à informação por parte dos alunos.
Para a professora de Sociologia, Rachel Lenir, ficou claro que o debate e a disseminação das informações sobre a temática étnico-racial são fundamentais para os estudantes do ensino médio. O professor Charles Lemos Costa concorda e ressalta que a escola tem papel fundamental na mediação dos conteúdos e temáticas que reflitam sobre o preconceito, o racismo e o reconhecimento e afirmação da identidade individual e coletiva.
“O diálogo entre educação e cultura é fundamental. Não há nada no Brasil que tenha mai capilaridade do que a educação. Educação é uma dimensão da cultura, tendo o ser humano num contexto integral, para que se tenha a formação emancipatória das pessoas”, disse Zulu aos professores.
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